Etica para um jovem
«Ouve, meu, filho, disse o demóniopondo-me a mão na cabeça... »
EDGAR ALLAN POE, «Silêncio»
Prólogo
Às vezes, Amador, tenho vontade de dizer-te muitas coisas. Contenho-me,está descansado, porque já devo maçar-te bastante no cumprimento das minhas funções de pai para te impor agora outros deveres suplementares disfarçadode filósofo. Compreendo que a paciência dos filhos também tem limites.Além disso, não quero que me aconteça o mesmo que a um meu amigo galego,que um dia tinha ido contemplar pacificamente o mar com o seu catraio de cinco anos. O miúdo disse-lhe em tom sonhador: «Paizinho, gostava que amamã, tu e eu fôssemos dar um passeio de barco, pelo mar.» O meu sentimental amigo sentiu um nó na garganta, mesmo por cima do da gravata: «Claro, meu filho, vamos quando quiseres!» «E quando estivermos lá muito longe»,continuou a fantasiar a meiga criaturinha, «atiro-vos aos dois à água, paravocês se afogarem.» Do coração quebrado do pai jorrou um grito de dor: «Mas,meu filho... !» «Claro, paizinho. Ou não sabes que os pais não param denos estragar tudo?» Fim da primeira lição.
Se até um rebento de cinco anos é capaz de dar por isso, imagino que umgalfarro com mais de quinze como tu estará farto de o saber. De modo que não é minha intenção proporcionar-te mais motivos para o parricídio do que os já habituais nas familias como deve ser. Por outro lado, sempre mepareceram uns chatos esses pais empenhados em serem «os melhores amigosdos filhos». Vocês, gente nova, devem ter amigos da vossa idade: amigose amigas, claro. Com os pais, os professores e outros adultos, no melhordos casos será possível que se dêem razoavelmente bem, o que já é algumacoisa. Mas para um rapaz dar-se razoavelmente bem com um adulto inclui,às vezes, ter vontade de o afogar. De outro modo não presta. Se eu tivesse quinze anos, coisa que não é provável que volte a acontecer-me, desconfiaria de todosos mais