Esse é o lenço
Este é o lenço de Marília, pelas suas mãos lavrado, nem a ouro nem a prata, somente a ponto cruzado.
Este é o lenço de Marília para o Amado.
Em cada ponta, um raminho, preso num laço encarnado; no meio, um cesto de flores, por dois pombos transportado.
Não flores de amor-perfeito, mas de malogrado!
Este é o lenço de Marília: bem vereis que está manchado: será do tempo perdido? será do tempo passado?
Pela ferrugem das horas? ou por molhado em águas de algum arroio singularmente salgado?
Finos azuis e vermelhos do largo lenço quadrado,
- quem pintou nuvens tão negras neste pano delicado, sem dó de flores e de asas nem do seu recado?
Este é o lenço de Marília, por vento de amor mandado.
Para viver de suspiros foi pela sorte fadado: breves suspiros de amante,
- longos, de degredado!
Este é o lenço de Marília nele vereis retratado o destino dos amores por um lenço atravessado: que o lenço para os adeuses e o pranto foi inventado.
Olhai os ramos de flores de cada lado!
E os tristes pombos, no meio, com o seu cestinho parado sobre o tempo, sobre as nuvens do mau fado!
Onde está Marília, a bela?
E Dirceu, com a lira e o gado?
As altas montanhas duras, letra a letra, têm contado sua história aos ternos rios, que em ouro a têm soletrado...
E as fontes de longe miram as janelas do sobrado.
Este é o lenço de Marília para o Amado.
Eis o que resta dos sonhos: um lenço deixado.
Pombos e flores, presentes.
Mas o resto, arrebatado.
Caiu a folha das árvores, muita chuva tem gastado pedras onde houvera lágrimas.
Tudo está mudado.
Este é o lenço de Marília como foi bordado.
Só nuvens, só muitas nuvens vêm pousando, têm pousado entre os desenhos tão finos de azul e encarnado.
Conta já século e meio de guardado.
Que amores como este lenço têm durado, se este mesmo está durando? mais que o amor