Escrita e a comunidade ágrafa
Maria Elisa Ladeira1
O problema teórico implícito nas propostas educacionais relativas à aquisição da escrita pelos povos indígenas esteve reduzido a uma perspectiva metodológica (o processo de alfabetização deve ser iniciado na língua portuguesa ou na língua materna/indígena?) e consumiu, durante décadas, educadores, lingüistas e antropólogos. Os argumentos e ações envolvendo esta questão estavam voltados para o atendimento de uma demanda muito concreta dos povos indígenas: o falar, ler e escrever em língua portuguesa.
Como um subtexto sempre latente, este impasse teórico – que na realidade trata os povos indígenas apenas e tão somente ou como povos ágrafos ou como cidadãos analfabetos – teve a sua discussão reduzida a esta escolha: em qual língua a alfabetização deveria ser efetivada2? A opção pela “alfabetização em português” tem tido como subtexto o fornecer ferramentas para esta decodificação (leitura)3 e codificação (escrita), atendendo às exigências dos índios em se apropriarem desta língua estrangeira, justificada em seus discursos como um instrumento de controle da chamada “sociedade dominante”. Assim, “(la) escritura aunque es ajena en una lengua ajena sirve para ayudar en la lucha, evitar el engano, es vista como una herramienta de protéccion e de defensa.” (Túlio R. Curieux. In: Reflexiones sobre el paso de la oralidad a la escritura). O momento em que esta ferramenta será significada
(politicamente), quando a leitura/escrita passa a ser algo culturalmente significativo para a comunidade indígena ou para a própria vida pessoal, independe, no entanto, da ação e prática alfabetizadoras. Ou seja, este tipo de domínio instrumental da escrita não acarreta em si mudança alguma nos códigos internos de comunicação e expressão da comunidade indígena. A escrita/leitura em português apresenta aí um caráter puramente utilitário e de alcance limitado e, por isso, podemos