Escavação
Numa ânsia de ter alguma cousa,
Divago por mim mesmo a procurar,
Desço-me todo, em vão, sem nada achar,
E minh’alma perdida não repousa!
Nada tendo, decido-me a criar:
Brando a espada: sou luz harmoniosa
E chama genial que tudo ousa
Unicamente à força de sonhar…
Mas a vitória fulva esvai-se logo…
E cinzas, cinzas só, em vez de fogo…
- Onde existo que não existo em mim?
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Um cemitério falso sem ossadas,
Noite d’amor sem bocas esmagadas –
Tudo outro espasmo que princípio ou fim…
Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'
Análise
O poema tem como tema a procura efusivamente da identidade e da alma do sujeito poético. (“Numa ânsia de ter alguma cousa; Divago por mim mesmo a procurar…”). Este faz um esforço exaustivo para procurar o que deseja, até que descobre que não tem presente nada daquilo que ambiciona. (“E minh’alma perdida não repousa! Nada tendo, decido-me a criar: “). Esta procura idealista é rapidamente transformada em desilusão quando o poeta não consegue alcançar o que pretende e reflecte sobre o que ele ser. (“Mas a vitória fulva esvai-se logo…; E cinzas, cinzas só, em vez de fogo…”). Após uma longa pausa, este chega à conclusão de que não é nada e tudo não passa de uma ilusão. O soneto é constituído por 2 quadras e 2 tercetos. Cada verso tem 10 silabas métricas e o tipo de rima é interpolada. Este pode ser dividido em 2 partes. A primeira parte equivale à procura do sujeito poético. Na segunda parte, o tema é a reflexão deste e a respectiva desilusão.
Figuras Semânticas
Interrogação Retórica: “- Onde existo que não existo em mim?”
Sinestesia – “E cinzas, cinzas só, em vez de fogo…” – escuridão, neutralidade
Metáfora – “Brando a espada, Sou luz harmoniosa”
Personificação – “Minh’alma perdida não repousa!” - “Noite d’amor sem bocas esmagadas”