Erasmo de Roterdan
"Persuadidos dos perdões e das indulgências, ao negociante, ao militar, ao juiz, basta atirarem a uma bandeja uma pequena moeda, para ficarem tão limpos e tão puros dos seus numerosos roubos como quando saíram da pia batismal. Tantos falsos juramentos, tantas impurezas, tantas bebedeiras, tantas brigas, tantos assassínios, tantas imposturas, tantas perfídias, tantas traições, numa palavra, todos os delitos se redimem com um pouco de dinheiro, e de tal maneira se redimem que se julga poder voltar a cometer de novo toda sorte de más ações. Quem já terá visto homens mais tolos, ou melhor, mais felizes do que os devotos, os quais julgam que entrarão infalivelmente no reino dos céus, recitando todos os dias sete versículos, que eu não sei quais sejam, dos salmos sagrados? No entanto, foi um demônio quem fez tão bela descoberta; mas, um demônio tolo, que tinha mais vaidade do que talento, tanto assim que cometeu a imprudência de exaltar o seu mágico segredo com São Bernardo(75), que era muito mais esperto do que ele. E todas essas coisas não serão, talvez, excelentes loucuras? Ah! como isso é verdadeiro! Até eu, que sou a Loucura, não posso deixar de sentir vergonha. No entanto, não é o público o único a aprovar tão completas extravagâncias. Sustentam a sua prática, dando o exemplo, os próprios professores de teologia. E, já que viajo por esses mares, convém continuar a navegar. Digamos, assim, algumas palavras sobre a invocação dos santos. É curioso verificar que cada país se gaba de ter no céu um protetor, um anjo tutelar, de forma que, num mesmo povo, entre esses grandes e poderosos senhores da corte celeste, se encontrem as diversas incubências do protetorado. Um cura dor de dentes, outro assiste ao parto das mulheres; aquele faz achar os objetos perdidos, este vela pela segurança e prosperidade do gado; um salva os náufragos, outro confere a vitória nos combates. Suprimo o resto, porque será um nunca mais acabar."
"Além desses, existem outros santos que