Entre o passado e o futuro
PREFÁCIO: A QUEBRA ENTRE O PASSADO E O FUTURO
Notre héritage n'est précéde d'aucun testament – "Nossa herança nos foi deixada sem nenhum testamento". Talvez esse seja o mais estranho dentre os aforismos estranhamente abruptos em que o poeta e escritor francês René Char condensou a essência do que vieram a significar quatro anos na Résistance para toda uma geração de escritores e homens de letras europeus1,
(I) Ver, para essa citação e as subseqüentes, René Char, Feulllets d'Hypnos, Paris, 1946. Escritos durante o último ano da Resistência, de 1943 a 1944,. e publicados na Collection Espoir, organizada por Albert Camus, tais aforismos, juntamente com obras posteriores, apareceram em inglês sob o titulo Hypnos Waking; Poems and Prose, New York, 1956.
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o colapso da França, acontecimento totalmente inesperado para eles, esvaziara, de um dia para outro, o cenário político do país, abandonando-o às palhaçadas de patifes ou idiotas; e eles, a quem nunca ocorrera tomar parte nos negócios oficiais da Terceira República, viram-se sugados para a política como que pela força de um vácuo. Desse modo, sem pressenti-lo e provavelmente contra suas inclinações conscientes, vieram a constituir, quer o quisessem ou não, um domínio público onde - sem a parafernália da burocracia e ocultos dos olhos de amigos e inimigos - levou-se a cabo, em feitos e em palavras, cada negócio relevante para os problemas do país.
Isso não durou muito. Após alguns curtos anos, foram liberados do que originalmente haviam pensado ser um "fardo" e arremessados de volta àquilo que agora sabiam ser a leviana irrelevância de seus afazeres pessoais, sendo mais uma vez separados do "mundo da realidade" por uma épaisseur triste, a "opacidade triste" de uma vida particular centrada apenas em si mesma. E, se se recusavam a "voltar às [suas] verdadeiras origens, a [seu] miserável comportamento", nada lhes restava