Entre mordaças e direitos: ações
DE LIBERDADE E RESISTÊNCIA ESCRAVA
NA HISTÓRIA DO DIREITO NO BRASIL
Gabriela Barretto de Sá
Centro de Estudos Afro-Orientais
Universidade Federal da Bahia gabrielabsa@gmail.com I. Introdução
O presente trabalho tem o propósito de analisar a ocorrência das ações cíveis de liberdade na História do Direito no Brasil, a partir da abordagem transdisciplinar do fenômeno jurídico. Visando estabelecer o diálogo entre o Direito e a História, foi desenvolvida pesquisa bibliográfica e documental.
A história denomina ações de liberdade àquelas demandas judiciais por meio das quais os cativos buscavam adquirir a condição jurídica de libertos, à revelia da vontade senhorial. Figurando como autores destas ações, as negras e negros escravizados eram representados por um curador responsável por defender o pleito relativo à alforria. No outro pólo da relação processual estava o senhor que, face à pretensão de liberdade, opunha o seu direito de propriedade sobre o escravizado. Os estudos sobre o tema, recorrentes no âmbito da ciência da história, demonstram que o período onde se verifica a ocorrência destas relações processuais está compreendido entre o final do século
XVIII e o século XIX (AZEVEDO,1999).
No âmbito do Direito, a tradição jurídica não privilegia as investigações sobre o capítulo da História do Direito referente à resistência escrava ao cativeiro através das disputas jurídicas por libertação. Via de regra, a abordagem feita pela historiografia jurídica nacional sobre o período da escravidão no Brasil se limita ao estudo da legislação vigente. Através desta concepção legalista do Direito não é considerada relevante a análise do papel assumido pelos escravizados1 enquanto agentes ativos frente ao ordenamento jurídico da época.
1 Neste trabalho, adotamos o termo escravizado em lugar de escravo, por considerar que a privação da liberdade não constitui condição natural e inerente a nenhum ser humano. De igual