Emílio
Jean- Jacques Rousseau
LIVRO I
Tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem. Ele força uma terra a alimentar as produções de outra, uma árvore a carregar os frutos de outra. Mistura e confunde os climas, os elementos, as estações. Mutila seu cão, seu cavalo, seu escravo. Perturba tudo, desfigura tudo, ama a deformidade e os monstros. Não quer nada da maneira como a natureza o fez, nem mesmo o homem; e preciso que seja domado por ele, como um cavalo adestrador; é preciso apará-lo à sua maneira, como uma árvore de seu jardim. Sem isso, tudo iria ainda pior, e nossa espécie não quer ser moldada pela metade. No estado em que agora as coisas estão, um homem abandonado a si mesmo desde o nascimento entre os outros seria o mais desfigurado de todos. Os preconceitos, a autoridade, a necessidade, o exemplo, todas as instituições sociais em que estamos submersos abafariam nele a natureza, e nada poriam em seu lugar. Seria como um arbusto que o acaso faz nascer no meio de um caminho, e que os passantes logo fazem morrer, atingindo-o em todas as partes e dobrando-o em todas as direções. É a ti que me dirijo, terna e previdente mãe[1], que soubeste afastar-te da estrada principal e proteger o arbusto nascente do choque das opiniões humanas! Cultiva, rega a jovem planta antes que ela morra; um dia, seus frutos serão tuas delícias. Forma desde cedo um cercado ao redor da alma de teu filho; outra pessoa pode marcar o seu traçado, mas apenas tu podes colocar a cerca[2].
Moldam-se as plantas pela cultura, e os homens pela educação. Se o homem nascesse grande e forte, a estatura e a força ser-lhe-iam inúteis até que tivesse aprendido a servir-se delas; ser-lhe-iam prejudiciais, pois impediriam que os outros pensassem em socorrê-lo[3] e, entregue a si mesmo, morreria de miséria antes de ter conhecido suas necessidades. Queixamo-nos da condição