EMILIA PERSONAGEM

A mentira

Fernando Hartmann1

Freud, em um pequeno texto de 1913, “Duas mentiras contadas por crianças”, nos alertava para a importância de não tomarmos as mentiras contadas pelas crianças de forma puramente moral ou como desvio de caráter. Depois de Freud, Lacan retoma este tema indicando para nos ocuparmos com a verdade da mentira. Lacan vai nos apresentar repetidas vezes, em seus seminários e escritos, o tema da mentira e da verdade. Por exemplo, quando ele discute o fato de dizer “Eu minto”, não como um paradoxo lógico, mas como algo possibilitado pelo fato do sujeito se apresentar como dividido entre sujeito do enunciado e sujeito da enunciação. O “Eu” do enunciado não está no mesmo lugar do sujeito que enuncia. Pretendo abordar este tema a partir de um recorte de um caso clínico que me colocou várias interrogações.

Trata-se de Roberto, um inteligente menino de nove anos, que veio me procurar porque estava lhe acontecendo algo muito estranho. Ele dizia que o que ele sonhava acontecia. Então pediu à mãe para ir a um psicanalista. A mãe era psicóloga. O menino já havia passado por um tratamento alguns anos antes. Digamos que ele tinha noção do que estava demandando. Ele sabia que psicanalistas se interessam por sonhos. Roberto estava tendo sonhos premonitórios e estava muito assustado com isso. Desde nossos primeiros encontros Roberto se mostrou confiante e falante. Logo nas primeiras sessões passou a me relatar os acontecimentos que ele vivenciou e que havia sonhado antes. O que me chamou a atenção foi o fato de que, em meio aos seus relatos, constantemente, havia situações, nas quais, Roberto se machucava, algum pequeno hematoma, um arranhão. Nada muito grave, coisas que normalmente acontecem nas brincadeiras de crianças ativas. Ele me mostrava o machucado e completava dizendo que já havia sonhado que iria se machucar assim. Bem, podemos entender o porquê ele estava de fato assustado com isso.

Eu escutava os seus relatos, verificava os