Eficácia simbólica
Caderno B
Mirian Goldenberg
Antropóloga, professora e autora de "De perto ninguém é normal".
Em Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa, o antropólogo Clifford Geertz relata sua experiência em Bali, em 1958. Ele diz que da mesma forma que a América do Norte se revela num campo de beisebol, de golfe, numa pista de corridas ou em torno de uma mesa de pôquer, grande parte de Bali se revela numa rinha de galos. No entanto, para ele, é apenas na aparência que os galos brigam ali. Na verdade, são os homens que se defrontam. Os galos são expressões simbólicas ou ampliações da personalidade ou do pênis do seu proprietário e também representam aquilo que os balineses vêem como a inversão direta, estética, moral e metafísica da condição humana: a animalidade. Na briga de galos, o homem e a besta, o bem e o mal, o ego e o id, o poder criativo da masculinidade e o poder destrutivo da animalidade fundem-se num drama sangrento de ódio, crueldade, violência e morte.
A cena da briga de galos de Cidade Baixa me parece ser a chave para compreender a relação entre os amigos Deco e Naldinho, e a competição deles pelo amor da prostituta Karinna. A briga de galos e, também, a violenta briga dos amigos é a metáfora que torna visível as paixões, os medos, as rivalidades, os ódios e, principalmente, o modelo de masculinidade que os dois representam. Deco e Naldinho partilham tudo: o barco, os pequenos golpes e até as mulheres. Aquele tipo de amizade em que a cumplicidade se revela pelo olhar e em que a palavra não se faz necessária.
Dispostos a morrer um pelo outro, não se envergonham de demonstrar ternura por meio de cuidados, carinhos, lágrimas, gracejos ou mesmo uma declaração de amizade eterna. ''A gente é maluco de ficar brigando por causa de uma p...'', ''você é meu irmão, brother, tá ligado?'', eles dizem ao lembrar que são amigos desde ''pivetes''. Amizade que parece inabalável - e invejável - até que a sensual Karinna surge em suas vidas,