Drummond
Drummond - Você agora me pôs numa enrascada danada. Eu não acredito no amor como uma espécie de fatalidade biológica pela qual as pessoas se juram amor e se entregam uma à outra, assim, irremediavelmente, até o infinito. Eu acredito no sentimento amoroso - nem podia negá-lo, porque é evidente, a existência humana tá cheia dele -... acredito no sentimento amoroso que vai de uma criatura à outra e que vai, além dessa criatura, envolvendo, digamos, a natureza, o universo...
Agora, ele [o amor] é limitado, em primeiro lugar porque a vida é limitada. Há um momento em que as pessoas envelhecem e morrem, ou morrem antes, vítimas de um acidente qualquer. Então, o amor fica condicionado às limitações da natureza humana e, portanto, ele é frágil. Há também o seguinte: as mudanças de natureza íntima que nós temos. Nossos interesses evoluem, nós passamos por diversas estações. Não são quatro estações dentro de nós, são inúmeras.
E essas estações nem sequer são sucessivas. Elas às vezes são imbricadas umas nas outras, elas se confundem. Então nós não sabemos hoje o que nós sentiremos amanhã. Essa precariedade, essa falta de continuidade do sentimento humano é o maior entrave ao amor. O amor, que é pra nós esplendoroso, é magnificente, é cheio de luz, amanhã ele fica escuro, fica turvado, como o dia que amanhece claro ou escuro.
Julieta - E volta a estar brilhante também?
Drummond - Exatamente, volta. Mas, de qualquer maneira, é um sentimento irregular. A gente não tem o domínio sobre ele; ele talvez é que tenha o domínio sobre nós.