dois e uma loca
Ismália pode significar a própria figura do poeta : sonhador, imaginativo, inofensivo aos outros, ainda que às vezes não a si mesmo, visto que Ismália caiu no mar. A comparação da personagem com um anjo - "E como um anjo pendeu" - reforça mais ainda a idéia de não-agressividade, e mesmo de beleza : na tradição poética, a figura do "anjo" e comparar a mulher a um anjo sugere perfeição física / moral; pureza; inocência. O tom suavemente trágico, melancólico do poema também se traduz nisto: Ismália, "anjo", se suicida, ou melhor, tira a própria vida sem o perceber. Não há pontos de exclamação em todo o poema: outra vez, repisa-se a melancolia trágica, a beleza triste dos versos através da pontuação, onde são freqüentes as reticências, sugerindo interrupção de pensamento, dúvida, hesitação - dubiedade.
A morte de Ismália por afogamento, estando louca e portanto inconsciente do que lhe acontecia, remete-nos à morte de outra personagem ficcional : a Ofélia de Shakespeare na peça Hamlet . Ofélia enlouquece e também morre caindo na água. Tanto em Shakespeare quanto no poema "Ismália" a loucura das figuras femininas é tratada poeticamente : a morte nem parece real, acontece como num sonho, e a linguagem para ambas, em Shakespeare e em Alphonsus, transmite a mesma melancolia trágica. Não há violência explícita ou desespero, mas uma tristeza suave, como se o próprio destino (loucura e morte) das duas, Ofélia e Ismália, evocasse uma espécie de delicadeza - a delicadeza com que grande parte da tradição poética trata a figura feminina.
Metaforicamente, o poema "Ismália" pode expressar o eterno conflito do ser humano entre o divino ( Céu) e o humano (Mar) ; a vida espiritual e a vida carnal; a vida extraordinária ou poética e a vida rotineira, comum. Neste caso, uma interpretação do desfecho do poema é a de que o desejo da vida "maior" (a lua do céu) e o reconhecimento das necessidades trazidas pela vida "menor" (a lua do