Dieta do homem
Paulo Mendes Campos
O anjo bêbado. Rio de Janeiro, Sabiá, 1969. Pp.102-4
DIETA DO HOMEM
Nas carteiras da escola me ensinaram, segundo o sábio Claude Bernard, que o caráter absoluto da vitalidade é a nutrição, pois, onde ela existe, há vida; onde se interrompe, há morte. Mas não me disseram que entre os animais humanos o lado que pende para a morte, por falta de nutrição, é mais numeroso que o lado erguido para a vida.
Me ensinaram que os alimentos fornecem ao homens os elementos constituintes da própria substância humana, o homem é o alimento que ele come. Mas não me disseram que existem homens aos quais faltam os elementos que constituem o homem. Homens incompletos, homens mutilados em sua substância, homens deduzidos de certas propriedades fundamentais; homens vivendo o processo da morte.
Me ensinaram, no delicado modo condicional, que, sem o concurso de certos alimentos minerais e orgânicos, depressa a vida sobre a Terra se extinguiria. Mas não me disseram que, depressa, por toda a parte a vida se extingue, no duro modo indicativo. Me ensinaram que o oxigênio é o primeiro elemento indispensável. Mas não me disseram que só o oxigênio é um bem comum de toda a humanidade, salvo em minas e galerias, onde é escasso.
Me ensinaram que o carbono, o hidrogênio, o azoto, o fósforo e outros minerais são decisivos à vitalidade das células. Mas não me disseram (por óbvio, mas eu era um estudante tão distraído) que aqueles elementos não se encontram no ar que respiramos. E ainda que se encontram na Terra, acaso digerida por uma criança, seu poder de assimilação é nenhum.
Me disseram que há alimentos orgânicos ternários e quaternários. Mas não me disseram que os dois terços de nossos irmãos no mundo sofrem de fome. Me ensinaram que os alimentos ternários, constituídos pelas gorduras e pelos hidratos de carbono, são superlativamente importantíssimos. Mas não me disseram que, em cem, dez homens estão a qualquer hora às portas da inanição.