Diante do Tempo
DIDI-HUBERMAN, Georges. L'image-matrice: histoire de l'art et généalogie de la ressemblance. Devant le temps. Paris: Minuit, 2000.
Tradução de Vera Casa Nova e Márcia Arbex (Editora UFMG, no prelo).
I
ARQUEOLOGIA DO ANACRONISMO
2
1 - A IMAGEM-MATRIZ
HISTÓRIA DA ARTE E GENEALOGIA DA SEMELHANÇA
A história da arte sempre começa duas vezes
O historiador de arte acredita com frequência ter de lidar apenas com objetos. Na realidade, esses objetos são organizados por relações que lhes dão vida e significação: são tantas escolhas teóricas — ainda que inconscientes —, cujas história e crítica demandam desenvolvimento, sem o que os próprios objetos poderiam se tornar incompreensíveis, rebaixados à trivial projeção de uma “filosofia espontânea” geralmente idealizante e inadaptada. Portanto, antes de falar de “imagem” ou de
“retrato”, por exemplo, é preciso necessariamente colocar a questão, histórica e crítica, das relações que constituem sua própria existência. A mais fundamental dessas relações
— a mais evidente, mas também a mais impensada — é, sem dúvida, a relação de semelhança, facilmente entendida como essencial, do ponto de vista prático e teórico, para toda a história da arte (essencial, a meu ver, a ponto de excedê-la; tanto é que ela ultrapassa seu campo epistêmico na mesma medida em que o sustenta, na mesma medida em que lhe assegura uma posição fundadora na inteligibilidade de cada objeto, de cada conjunto figurativos).
Logo, torna-se necessário avaliar o teor dessa relação de semelhança no ponto mesmo em que a história da arte se constitui como discurso. Que ponto é esse?
Admitamos que possa ser um ponto apenas: um sistema de pontilhados, ao menos. Não procuremos, nesse campo como em outros, a “origem original”. A fonte absoluta não existe. Uma grande parte da literatura grega dedicada às artes figurativas desapareceu, de modo que não sabemos quase nada das primeiras “histórias da