Desigualdade Social
Com feições incompreensíveis, sabe-se lá o que aquele rapaz de barbas cumpridas e mal cuidados passou durante a sua vida. São tantas as alternativas, aquelas criadas por terceiros que passam todos os dias a sua volta ou aqueles que o vê apenas uma vez e aquilo marcou seu pensamento por dias... Poderia ele ser um viciado em drogas e fliperama ou que perdeu tudo para a mulher numa disputa judicial.
Naquele momento despertou-me uma curiosidade e passei várias tardes questionando-me o que tivera acontecido... Descartei a opção dos vícios, já que sempre via tal rapaz com algo em mãos: exemplares encontrados em quaisquer lixeiras por suas proximidades ou retirado de algum sebo por alguns trocados. A questão era sua leitura desesperada, como se tivesse mastigando uma lasanha deliciosa ou assistindo um espetáculo extraordinário dado pela natureza, ignorando todo o mundo a fora.
Certo dia, tive a prazerosa oportunidade de convidá-lo para fazer um lanche. Encabulado, mas curioso, aceitou meu convite. Chegando lá, todos que estavam presentes no ambiente estranharam o fato. Mas ninguém comentou nada, nem poderia, afinal, o café é um lugar que pode ser frequentado por todos [...] Com o pedido em mesa, ele devora seu alimento como um leão faminto triturando sua presa. Não aguentando de curiosidade, passei a fazer-lhe perguntas... Ora apareceu o questionamento que fez a diferença:
O quê levou-te à necessidade de habitar as ruas, afinal, aparenta ser um rapaz tão inteligente...
Ao mesmo instante, o olhar de curiosidade e atenção do rapaz transformou-se em um olhar amargurado, cabisbaixo e, também, nostálgico. Confessou-me que antes de morar nas ruas, ele costuma ter uma casa, uma família, um lar. Mas tudo lhe foi tirado. Confessou-me também que já viajou para Londres, Estados Unidos da América, Congo e até para uma cidadezinha na Austrália Ocidental chamada Kalgoorlie; que conhecia hábitos, costumes, línguas, religiões de diferentes partes do mundo;