Desenvolvimento da criança
Este artigo é resultado de uma pesquisa de campo de quase 14 meses (2000-2005), que culminou com a redação de minha tese de doutorado (Pires, 2007). O trabalho de campo foi feito na cidade de Catingueira, localizada no semi-árido nordestino, no estado da Paraíba. A cidade conta com uma população de aproximadamente 5 mil habitantes, distribuídos entre as zonas rural e urbana. Nessa cidade a religiosidade sempre se mostrou um tema pungente, cujas conexões extrapolam as esferas do "religioso". Minha dissertação de mestrado (Pires, 2003), por exemplo, trata da Festa de São Sebastião, padroeiro da cidade, momento no qual o local recebe turistas e se reinventa em tradições e efervescência social sob as bençãos do santo e da igreja católicos. Como os chamados "crentes" e espíritas kardecistas estão presentes nessa festa religiosa, a princípio católica, é um dos desdobramentos da dissertação. No entanto, na tese de doutorado, trabalhei com crianças dos 3 aos 13 anos de idade, adultos e idosos na tentativa de compor um quadro, tão completo quanto possível, sobre o entendimento e a experiência religiosa naquela comunidade. Ao fazê-lo, deparei-me com a existência de seres chamados "mal-assombros", que podem ser em alguma medida intitulados de religiosos, uma vez que mantêm relações privilegiadas com o chamado o "outro mundo", o mundo após a morte.
Para os adultos e idosos, esses mal-assombros são almas de pessoas falecidas. Para as crianças, por sua vez, os mal-assombros são uma larga gama de seres e acontecimentos. Interessante notar que o medo dos mal-assombros, altamente enfatizado pelos adultos e idosos, não o é pelas crianças. Isso se explica pelo fato de que, para os adultos e principalmente para os idosos, todos os mal-assombros são temíveis, uma vez que existe uma relação, a princípio inquestionável, entre eles e o diabo. Para as crianças, as coisas não se passam dessa maneira. O mal-assombro assusta menos e, quando o faz, a razão não pode ser associada