Desabafo de um certo tempo num passado próximo.
Bom, já são quatro meses, hein mãe? Quatro meses sem ti, sem a senhora brigando comigo, me fazendo limpar casa, comer e estudar. Quatro meses de uma eterna agonia em que eu não consigo chorar, em que só vem aquele bolo na garganta quando eu to na frente dos outros, em que sou vulnerável e fraca e necessito de colo, de atenção e amor, mas aquele amor que só você pode dar.
Quatro meses em que eu lembro da dor, uma dor terrível que eu queria que fosse bloqueada, que fosse esquecida.
Eu queria ser vulnerável a dores, queria não odiar aquele alcoólatra que eu tenho que chamar de pai.
E pode ser horrível, mas eu preferia ele morto à te perder. Preferia ver ele incinerado, queimado nas próprias cinzas daqueles malditos cigarros, preferia ver ele decapitado a te ver deitada imóvel naquele caixão.
E como eu preferia ter a senhora aqui me xingando por eu ser preguiçosa a te ver inerte, imóvel, pálida e gelada naquela merda de caixão de madeira. Eu preferiria estar morta a ter que ver você ser enterrada. Na verdade eu sinto que durei de mais sem você aqui, porque você era meu apoio, ponto de sustentação, era aquela que me dava forças quando alguém dizia que eu não era capaz, e agora sem ti aqui o que é de mim?
E sim você era chata com suas manias e perfeccionismo, mas eu prefiria aguentar a sua chatice uma vida toda a te perder.
Eu sinto sua falta mãe, porque eu te amo mais que a minha própria