Depois do marxismo
JOÃO BERNARDO
DEPOIS DO MARXISMO, O DILÚVIO? [Este artigo reproduz as linhas mestras de cursos que dei de Setembro a Novembro de 1991 nas Faculdades de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte; da Universidade do Amazonas, em Manaus; e da Universidade de São Paulo. Procurei que algumas das questões suscitadas nos debates encontrassem reflexo no artigo.]
A esquerda burocrática descobriu recentemente que o marxismo-leninismo não é a melhor forma de conquistar e manter o poder de Estado. A linearidade política das classes dominantes supõe um continuum esquerda-direita e, perdida a razão de ser de um dos lados, o marxismo ortodoxo converteu-se ao neo-liberalismo de direita, que hoje aparece como a única forma viável do poder. Mas este é apenas um dos aspectos da crise do marxismo que, por si só, não levaria à sua falência. Ao mesmo tempo que reforçara o poder de uma parte das classes dominantes, o marxismo servira também à classe trabalhadora de quadro de luta contra essa renovada exploração. Já em 1918 as primeiras resistências de extrema-esquerda à burocratização da revolução russa haviam-se operado no interior do marxismo e até há bem pouco tempo todas as grandes ofensivas contra o capitalismo de Estado invocavam os termos de um marxismo radical. Mesmo na Polónia de 1980 e 1981 o movimento do Solidariedade, apesar da fortíssima componente católica, tomou a Revolução russa de Outubro como referência mítica. O renovado choque das heterodoxias contra as ortodoxias pôde abalar algumas instituições e correntes ideológicas dentro do marxismo, mas simultaneamente reforçava a vitalidade do quadro doutrinário geral. Do mesmo modo as disputas internas do cristianismo conferiram sempre uma redobrada força à doutrina cristã. A falência do marxismo tornou-se dupla – e decisiva – quando a classe trabalhadora nos países de Leste o abandonou