Demonologia e o mito de sabá
O nosso lendário demonológico popular é também um dos mais ricos do mundo, senão em gênio inventivo, em interpretação e variedade literária. Contos populares do ciclo do diabo, encontráveis em quase todas as literaturas universais, como é o caso do demônio da garrafa, de origens persas e bíblicas, que deu em francês os famosos romances e contos sobre le diable boiteux, inspirou escritores espanhóis, italianos, alemães, russos, norte-americanos e ingleses (um dos últimos é Stevesson); tais contos encontraram no Brasil interpretações e versões bem nossas, a maioria delas apresentando-nos um diabo tolo, danado ´por mulher, mas sempre enganado por ela; assim são os contos Nem o diabo as guarda, Foi buscar lã e saiu tosquiado, O diabo na garrafa (que inspirou, em Portugal, a Fialho de Almeida, O almocreve e o diabo), Os músicos prosas, Morreu mesmo, A caixa de ouro, todos eles colhidos por Lindolfo Gomes na Zona da Mata mineira.
No Nordeste, ou da Bahia para cima, é à poesia popular de feira que cabe o abrasileiramento literário do diabo. É o livreto do “homem que roubou a mulher do diabo”, do “noivo que tomou sua noiva”, de bate-papos do padre Cícero repreendendo o demo, discussão entre eles e Antônio Silvino, de suas partes com Lampião, onde se encontram, já de todo aportuguesadas e abrasileiradas, as famosas conjuras do Grinomoire ou do Sanctum regnun de la Clavicule, repositórios rituais da pactuação satânica recolhidos por Bergier, no verbete “Legendes infernales“, de seu Dictionnaire théologique.
Em toda essa poesia popular aparece sempre o diabo brasileiro, como o de Marlowe, o prestígio para angariar o amor de uma mulher para os seus afeiçoados, mas como o Asmodeu bíblico do Livro de Tobias, ele próprio sem nenhuma sorte em suas aventuras amorosas com outras mulheres que não as feiticeiras do século XV, horrendas megeras, solteironas feíssimas e dadas demais ai vinho, ou freiras supersticiosas e monasticamente relaxadas.
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