Cursando
Novas propostas, velhos dilemas*
Guita Grin Debert
Maria Filomena Gregori
Este artigo tem como propósito situar alguns deslocamentos semânticos nos usos da noção de violência contra mulher, desde o início dos anos de 1980 no Brasil. Discussão intrincada pelas suas variadas vozes, vale enfrentá-la para a compreensão, de um lado, de alguns problemas envol* Esta reflexão foi elaborada em meio a um esforço conjunto de discussão da pesquisa “Gênero e cidadania: tolerância e distribuição de justiça”, coordenada por Guita Grin Debert, Maria Filomena Gregori e Adriana Piscitelli no Núcleo de Estudos de
Gênero da Unicamp – Pagu, com financiamento da
Fundação Ford, de 2000 a 2006. Entre 2002 e 2004, analisamos o atendimento das Delegacias de Defesa da Mulher no Estado de São Paulo e na cidade de
Salvador; entre 2005 e 2006, realizamos a pesquisa com foco no atendimento dos Juizados Especiais
Criminais em São Paulo.
Artigo recebido em agosto/2007
Aprovado em dezembro/2007
vidos na distribuição de justiça e na consolidação dos direitos de cidadania na sociedade brasileira contemporânea. De outro lado, a partir do exame desses deslocamentos é possível empreender uma reflexão sobre os efeitos e os limites das articulações analíticas entre crime, violência e relações marcadas pelas diferenças de gênero.
O ponto de partida dessa discussão é a aposta política que os movimentos sociais têm feito na revisão jurídica e nas instituições do sistema de justiça criminal como modo privilegiado de combate à violência. Essa aposta dá um caráter específico ao que tem sido chamado de judicialização das relações sociais. Tal expressão busca contemplar a crescente invasão do direito na organização da vida social. Nas sociedades ocidentais contemporâneas, essa espécie de capilarização do direito não se limita à esfera propriamente política, mas tem alcançado a regulação da sociabilidade e das práticas sociais em esferas tidas,