Cultura
2010/2011
12 intimidade, daqu elas da alma, não do corpo” (p. 171), mas retoma a sua tranquilidade e oferece-lhe boleia. Inicia-se aqui um relacionamento que, para ambos, embora ainda não otenham verbalizado, é inevitável.Raimundo escreve no quarto, ao lado da janela, resultado da sua decisão de separar acriação
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algo íntimo e pessoal
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da revisão de textos alheios, de que se ocupa no escritório. A
(re)escrita tem de ser feita “às claras, com a luz natural caindo sobre as suas mãos, sobre as folhas de papel, sobre as palavras que forem nascendo e ficando” (p. 181), identificando
-se comum profundo processo de (re)conhecimento. Raimundo, como escritor, pretende reconhecer ovalor do povo anónimo na construção da história
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, pelo que dá protagonismo a Mogueime, umdos soldados de D. Afonso Henriques e um dos verdadeiros atores da História. A sua urgênciapela proximidade física de Maria Sara fá-lo interromper a escrita para ir comprar uma rosabranca para pôr na sua mesa de trabalho, como se, assim, a tivesse junto de si. Maisacompanhado, volta à sua tarefa e tanto se embrenha que se esquece do cabelo, conseguindofingir que não vê as raízes brancas que crescem, mas o pânico volta-lhe ao saber que tem de ir àeditora. Contudo, Maria Sara não está
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adoeceu - e ele sente-se aliviado, sinal de que ainda nãose libertou dos seus medos, que ainda não conquistou o seu verdadeiro eu. Com algumacoragem, pede o número de telefone da doutora à telefonista, mas não lhe consegue ligar, pormedo, por pudor, por receio da rejeição. Debate-se com os seus dois cercos e sente-se cercado,em conflito interior. Sente-se poderoso, porque cria a ficção, (re)cria a história, mas, por outrolado, está fragilizado, incapaz de lidar com os seus sentim entos (“[…] foi homem, dizemos, para elaborar as táticas mais convenientes à ingente tarefa de cercar e conquistar Lisboa, mas agorapouco lhe falta para que se arrependa do