Cultura juridica brasileira
Ricardo Marcelo Fonseca**
RESUMO: Este texto busca, num primeiro momento, compreender algumas vicissitudes da formação da cultura jurídica brasileira, sobretudo de direito privado, desde o período colonial (quando a legislação brasileira confundia-se, em termos gerais, com a legislação portuguesa) até a codificação civil. A partir daí são investigadas as razões pelas quais o Brasil do século XIX acabou sendo refratário à onda de codificação civil que assolou a Europa continental e a América Latina.
1 INTRODUÇÃO Tullio Ascarelli, eminente jurista italiano do século XX, que na época do fascismo encontrou abrigo e acolhimento no Brasil
* Este texto foi apresentado no “Seminario sulla cultura giuridica e codificazione”, na Università degli Studi di Firenze e no “2º Congresso Brasileiro de História do Direito”, na Universidade Federal Fluminense, em Niterói. Foi publicado na sua versão italiana, com algumas modificações de conteúdo, nos Quaderni Fiorentini per la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, n.º 33/34, 2004/2005, p.963/983, sob o título “Dal diritto coloniale alla codificazione: appunti sulla cultura giuridica brasiliana tra settecento e novecento”. Agradeço as observações feitas ao texto, nos dois eventos acima citados, por Paolo Grossi, Paolo Cappellini, Alberto Spinosa, Ramón Narváez, Andrei Koerner, Arno Wheling, Wilson Madeira Filho e Silvia Hunold Lara. ** Professor do curso de direito e do programa de pósgraduação em direito da Universidade Federal do Paraná. Pesquisador do CNPq.
por quase dez anos, ao ter participado, nessa sua permanência, da vida cultural e universitária brasileira, teve condições de aduzir, com sensibilidade histórica e argúcia intelectual, que o traço mais típico do direito privado brasileiro estava na vigência ininterrupta, até a codificação de 1916, do velho direito comum integrado no plano legislativo pelas Ordenações Filipinas de 1603.