Crônicas de veríssimo características do conto
O carro estava encostado no meio-fio, com um pneu furado. De pé ao lado do carro, olhando desconsoladamente para o pneu, uma moça muito bonitinha.
Tão bonitinha que atrás parou outro carro e dele desceu um homem dizendo
"Pode deixar". Ele trocaria o pneu.
- Você tem macaco? - perguntou o homem.
- Não - respondeu a moça.
- Tudo bem, eu tenho - disse o homem - Você tem estepe?
- Não - disse a moça.
- Vamos usar o meu - disse o homem.
E pôs-se a trabalhar, trocando o pneu, sob o olhar da moça.
Terminou no momento em que chegava o ônibus que a moça estava esperando. Ele ficou ali, suando, de boca aberta, vendo o ônibus se afastar.
Dali a pouco chegou o dono do carro.
- Puxa, você trocou o pneu pra mim. Muito obrigado.
- É. Eu... Eu não posso ver pneu furado. Tenho que trocar.
- Coisa estranha.
- É uma compulsão. Sei lá.
(Luís Fernando Veríssimo. Livro: Pai não entende nada. L&PM, 1991).
http://variostrechos.blogspot.com.br/2009/02/novas-comedias-da-vida-privada-123.html acessado: 16/05/12 as 16:34
Um dos contos da parte Encontros & Desencontros:
Aquilo
- De uns tempos para cá, eu só penso naquilo.
- Eu penso naquilo desde os meus, sei lá, onze anos.
- Onze anos?
- É. E o tempo todo.
- Não. Eu, antigamente, pensava pouco naquilo. Era uma coisa que não me preocupava. Claro que a gente convivia com aquilo desde cedo. Via acontecer à nossa volta, não podia ignorar. Mas não era, assim, uma preocupação constante. Como agora.
- Pra mim sempre foi. Aliás, eu não penso em outra coisa.
- Desde criança?!
- De dia e de noite.
- E como é que você conseguia viver com isso, desde criança?
- Mas é uma coisa natural. Acho que todo mundo é assim. Você é que é um anormal, se só começou a pensar naquilo nessa idade.
- Antes eu pensava, mas hoje é uma obsessão. Fico imaginando como será. O que eu vou sentir. Como será o depois.
- Você se preocupa demais. Precisa relaxar. A coisa tem que acontecer naturalmente. Se você fica ansioso é