Crônica
Caro vizinho,
Li a carta que deixaste debaixo da minha porta. Porém, não posso fazer nada em relação ao teu incômodo com o choro de minha filha. Ela tem apenas cinco meses de vida e ainda não aprendeu a falar, escrever, desenhar ou fazer mímica para expressar o que está sentindo, pensando ou querendo. Ela apenas chora. Aliás, queria eu poder ouvir mais os resmungos do meu bebê, o que não posso, já que trabalho o dia todo e, quando chego em casa, ela já está sonhando em seu berço.
Claro que não é nada bom para um pai ouvir sua filha chorar, pois isso significa que algo está errado. Tem vezes que eu e minha mulher tentamos acalmá-la, mas demora até que consigamos que ela fique quietinha novamente. Porém, ver um serzinho tão pequeno e frágil, que foi gerado por nós, mexendo as mãozinhas e os pezinhos e emitindo um som tão doce, tão delicado... é incrível. E quando ela sorri, então? Faz tudo parecer mais fácil e esquecemos todos os nossos problemas. É espetacular o modo como uma pequena criaturinha pode nos trazer uma vida nova.
Sendo assim, me entristece saber que há pessoas tão egoístas como tu, capazes de reclamar de algo tão lindo. E imagino que, além do choro da minha filha, tu também tenhas reclamado da dançarina do terceiro andar, não? Já a viu dançar? Ela é maravilhosa! Seus passos são suaves e, quando dança, parece que está flutuando. E quanto ao garotinho pianista do quinto? Tu não achas prazeroso acordar nos domingos de manhã escutando uma valsa tão bem tocada? Além de ter um futuro promissor, o guri ainda consegue alegrar as manhãs de quem vive por perto.
É uma pena que existam pessoas como tu, senhor vizinho, que tenta privar os outros de seus prazeres e alegrias em favor do teu individualismo e teus interesses pessoais, que nada tem de proveitoso ou agradável às pessoas com quem convive e às pessoas que perto de ti moram. Se continuares assim, não abrindo mão do teu egoísmo, ficarás sempre solitário e deixarás de aproveitar as