Crônica d d.fernando - fernão lopes
1. PRÓLOGO.
Reinou o infante dom Fernando, filho primogénito delrei dom Pedro, depois da morte deste, havendo então de sua idade vinte e dois anos e sete meses e dezoito dias, e era mancebo valente, ledo e namorado, amador de mulheres e achegador a elas. Havia bem composto corpo e de razoada altura, formoso no parecer e muito vistoso, tanto que estando cerca de muitos homens, ainda que conhecido não fosse, logo o julgariam por rei dos outros.
Foi grande criador de fidalgos e muito companheiro com eles. E era tão amavioso de todos os que com ele viviam que não chorava menos por um seu escudeiro, quando morria, do que se ele fosse seu filho. De nenhum a quem bem quisesse podia crer mal que dele lhe fosse dito, mas amava-o e a todas as suas coisas muito de vontade.
Era cavalgante e torneador, grande justador e lançador ao tavolado. Era muito braceiro, tanto que não achava homem que mais o fosse, cortava muito com uma espada e arremessava bem a cavalo.
Amava a justiça e era prestador e grado, muito liberal para todos e grande agasalhador dos estrangeiros. Fez muitas doações de terras aos fidalgos do seu reino, tantas e muitas mais que algum rei que antes dele fosse.
Amou muito o seu povo e trabalhava de o bem reger, e todas as coisas que para seu serviço e defensão do reino mandava fazer, todas eram fundadas em boa razão e muito justamente ordenadas. Porém desfaleceu isto quando começou a guerra e nasceu outro mundo novo, muito contrário ao primeiro, passados os folgados anos do tempo em que reinou seu pai, e vieram depois dobradas tristezas com que muitos choraram suas desaventuradas mesquindades (do árabemiskinu = desgraçado, infeliz). Se ele se contentara de viver em paz, abastado das suas rendas, com os grandes e largos tesouros que de seus avós lhe ficaram, nenhum no mundo houvera vivido mais ledo nem gastara os seus dias em tanto prazer, mas porventura tal não era ordenado de cima.
Era ainda elrei