Crucifixo
O Crucifixo nos Tribunais e a Laicidade do Estado
Daniel Sarmento1
1. Introdução
Diversos órgãos do Poder Judiciário brasileiro mantêm crucifixos2 em salas de sessão e em outros espaços eminentemente públicos, inclusive o Supremo Tribunal
Federal . Trata-se de uma prática antiga e disseminada, num país em que, por um lado, o catolicismo é a religião majoritária, e, por outro, não há uma tradição cultural enraizada de separação entre os espaços religioso e jurídico-estatal. Todavia, tal prática passou a sofrer contestações nos últimos tempos, baseadas na afirmação de violação ao princípio da laicidade do Estado, consagrado no art. 19, inciso I, da Constituição da República. No atual cenário, o tema passou a revestir-se de uma especial importância, na medida em que uma série de questões moralmente controvertidas – como o aborto de feto anencéfalo, a pesquisa em células-tronco e união entre pessoas do mesmo sexo -, tem chegado ao
Judiciário brasileiro, e a Igreja católica vem se posicionando publicamente sobre estes temas, com pretensões de influir nos resultados das controvérsias judiciais.
Nesta linha, a ONG Brasil para Todos formulou ao Conselho Nacional de Justiça um requerimento, solicitando providências do órgão no sentido da proibição desta prática em todo o país. O objetivo do presente estudo é analisar esta questão sob a perspectiva constitucional, e a tese que se sustentará é a de que os crucifixos, como quaisquer outros símbolos religiosos, não podem ser mantidos em espaços eminentemente públicos do Poder Judiciário, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da laicidade do
Estado.
1
Professor de Direito Constitucional da UERJ. Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UERJ. Visiting Scholar da Yale Law School.
2
Embora exista uma diferença semântica entre a cruz e o crucifixo, empregarei estas palavras ao longo do texto de forma muitas vezes indistinta. E, no que toca ao