Crack
Editorial a convite
Uma visão psiquiátrica sobre o fenômeno do crack na atualidade
A psychiatric view on the crack phenomenon nowadays
Felix Kessler1, Flavio Pechansky2
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Psiquiatra. Vice-diretor, Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS. 2 Psiquiatra. Diretor, Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas, HCPA, UFRGS.
No início da década de 80, socioetnógrafos americanos descreveram na literatura científica uma nova e potente forma de uso de cocaína – a inalação do vapor expelido da queima de pedras, manufaturadas a partir do “cozimento” da pasta básica combinada com bicarbonato de sódio. Quando queimada em um cachimbo de vidro ou outro recipiente, produzia um ruído típico de estalo, tendo sido, por isso, chamada de crack. O seu uso nesse formato permitia uma disseminação maciça da substância para o cérebro, obtendo efeitos mais estimulantes e muitíssimo prazerosos. O início de ação da droga também era rápido, porém mais fugaz, e os usuários descreviam uma “fissura” (craving, em inglês) quase incontrolável quando a estavam utilizando. Os relatos iniciais sobre os indivíduos que ousavam experimentá-la descreviam-nos como “escravos” dos seus efeitos; muitos terminavam sucumbindo devido aos danos causados ao organismo. Na época, as pedras eram vendidas por aproximadamente 25 dólares, segundo reportagens divulgadas nos jornais de Los Angeles e de Nova Iorque. Entretanto, mesmo após 1 ano de bombardeamento pela mídia leiga sobre esse tema, a Drug Enforcement Agency dos EUA ainda considerava essa forma de uso de cocaína como um problema menor, quando comparada à cocaína inalada1. Alguns desses dados e relatos anedóticos foram sendo confirmados, como o grande potencial dependógeno da droga, e outros não, como a sua letalidade. De qualquer modo, no início da década de 90, várias revisões sobre o tema foram publicadas no intuito de contrapor os