crack e midia
Rodrigo Alencar
Psicólogo, psicanalista e mestre em
Psicologia Social pela PUC-SP é também membro do laboratório Psicanálise e Política
Você está sentada em seu sofá, de frente à televisão, que veicula um programa com uma reportagem especial sobre o crack. A cena apresenta uma paisagem deteriorada, prédios com paredes esburacadas, espaços abandonados.
Pessoas se movimentam na paisagem, pele acinzentada e membros magros; uma mulher grávida de barriga pontiaguda e braços finos se agacha sobre um cachimbo, os efeitos da câmera produzem uma áurea cinza deixando a imagem quase em preto e branco, enquanto a chama que é aspirada para dentro do cachimbo produz um amarelo contrastante. A trilha sonora é composta por sons graves com agudos súbitos, como naquele filme de terror B, já conhecido pela telespectadora. Pausa para os comerciais: shampoos que abrilhantam os cabelos e trazem o galã amado; carros seguros e confortáveis que desbravam florestas, televisões do tamanho da parede de sua sala e as próximas vinganças e traições da novela das nove.
Volta à reportagem especial, um homem de roupas formais fala sobre sua luta contra as drogas, conta que conseguiu vencer e agora, caminhando entre árvores baixas sob o pôr do sol, relata como ajuda outros dependentes químicos a largarem o vício. Corte para última cena externa: uma mulher aparentando 50 anos chora diante da câmera, fala sobre como perdeu seu filho para o crack, os roubos domésticos, as posturas agressivas e o triste trajeto até o óbito. Enquanto ela chora, a câmera foca em suas lágrimas que escorrem sobre a pele morena e enrugada de seu rosto, preenchendo a imagem, o som de um piano com notas espaçadas nos remetendo à infinita tristeza que é perder um filho para o crack. Corte para o repórter no estúdio, discorrendo brevemente sobre o perigo da droga e a impotência das famílias diante dessa substância mortal e avassaladora. Termina o programa, passam