conto
I
Tinha dezessete anos a menina dos olhos pardos, e era uma das mais formosas criaturas que este sol fluminense tem alumiado. Algumas pessoas ainda se hão de lembrar do furor que ela causava quando aparecia na rua pelo braço do pai, velho capitão reformado, que tinha a alma tão branca como os bigodes, e o coração tão virgem como a espada. Não o julguem mal; se a espada era virgem, não é por que ele fosse um maricas, mas aconteceu, por uma série de circunstâncias estranhas à sua vontade, que nunca pôde entrar na mais ínfima escaramuça deste mundo. Quando se deu a guerra oriental de 1851,* debalde o homem quis ir combater, os chefes acharam melhor deixá-lo no quartel da saúde.
Se a glória lhe diminuiu com isso, aumentou-se a felicidade de Helena, a menina dos olhos pardos, que ficaria ao desamparo caso o pai morresse de um tiro na batalha de Caseros. Ela mesma lho dizia agora que o pai deixara o serviço ativo do exército; o capitão Morais zangava-se quando ouvia semelhante linguagem, mas a menina vencia sempre com esses argumentos que as filhas amadas sabem ter; um beijo punha termo a tudo; um sorriso bastava para dissipar as sombras.
Helena tinha idéias singulares a respeito da guerra; idéias de mulher, afinal de contas, para quem as glórias marciais não podem ter os encantos que oferecem aos homens. No ânimo dela, a guerra era sempre uma coisa injusta e ímpia. E ainda assim estava um pouco atrasada a filosofia de Helena, porque já depois dela apareceu outra fórmula mais adiantada: é a que dá a guerra como uma coisa profundamente ridícula.
Não levemos em conta estas apreciações feminis a respeito dos grandes duelos em que as nações decidem questões de uma légua de terra ou de supremacia política. Helena falava assim porque tinha um coração excelente que não compreendia que o direito precisasse de um banho de sangue. Era a bondade feita mulher, a bondade inteligente, carinhosa, evangélica, limpa de cálculo, pura