conto
Era uma noite fria, o barulho do vento balançando os galhos das árvores do morro da Babilônia se assemelhava assobios átonos e arrepiantes. No alto do penhasco, cercado por jabuticabeiras e ipês, se emoldurava um singelo sobrado caiado e solitário. No interior do sobrado, vivia o misterioso João Santos, para nós o João Gostoso.
Depois de um dia árduo e sem novidades carregando feira dos clientes, João recebeu a indesejada notícia, que chegou até ele através de um garoto que lhe entregou um bilhete, escrito num papel de seda e com caneta esferográfica preta. Ao decifrar cada contorno e traço das letras, a emoção ia lhe tomando conta da alma, e cada trecho lido lhe causava um misto de confusão, decepção, e desordem emocional. Não pôde conter as lágrimas que lhe desciam a face. O bilhete sacudindo em suas mãos trêmulas e suadas, aos poucos foi se umedecendo com o pingar da chuva que saías dos seus olhos.
As pernas de João perderam o compasso, o coração acelerou num ritmo frenético. Um turbilhão de pensamentos tomou conta de seu labirinto mental. Aquele bilhete, inesperado e trágico, trazia a notícia que lhe apunhalou tal qual uma lança fina e pontiaguda transpassando o seu coração: Dorotéia seu grande amor, estava prestes a casar com outro homem.
Alma doída, coração despedaçado, sonho castrado, ilusão, dor, muita dor. O que seria da sua vida a partir daquele momento? Tudo havia perdido o sentido, pois o sentido de sua vida era a sua amada Dorotéia.
Louco e alucinado, João Gostoso desceu o barranco do morro, cortando feito flecha sobre as castanheiras e ipês, tentando amenizar aquela dor que só aumentava e não cessava nunca. Se dirigiu ao bar Vinte de Novembro, e gastou todo seu ganho do dia em bebida. As doses da cachaça desciam ardentes e queimado seu coração magoado.
Bebeu, bebeu, bebeu, bebeu, até perder a coordenação e os sentidos. Pagou para usar o karaokê e cantou uma música apaixonada de Altemar