Constitucionalizacao do Direito Civil
Adriano Marteleto Godinho1
Sumário: 1. A tradicional dicotomia entre Direito Público e Direito Privado; 2. O movimento de constitucionalização do Direito Civil; 3. O princípio da dignidade da pessoa humana como ponto de partida; 4. Manifestações concretas da constitucionalização do Direito Civil no Código de 2002; 4.1. Os contratos; 4.2. A responsabilidade civil; 4.3. A propriedade; 4.4. As famílias; 5. Considerações finais; 6. Referências bibliográficas.
1. A tradicional dicotomia entre Direito Público e Direito Privado
Historicamente, estabeleceu-se a clássica distinção entre o Direito Público e o Direito Privado como uma das mais difundidas e fundamentais classificações no universo jurídico. Sendo o Direito Civil o ramo jurídico que representa por excelência a visão privatística do Direito, por envolver imediatamente as pessoas e as relações interpessoais, prevaleceu, durante séculos, a noção de que este ramo era caracterizado como a perfeita antítese do Direito Público. Assim, no contexto das ciências jurídicas, estabeleceu-se o Direito Civil como o ramo do Direito em que se resguardavam os interesses individuais, em contraposição ao Direito Público, em que se fazia presente, de forma marcante, a figura do Estado. Não por acaso, as grandes codificações civis tornaram-se conhecidas como as “constituições do homem comum”, já que primordialmente cumpriam o papel de estabelecer e disciplinar as instituições jurídicas de caráter privado e de erguer limites às intervenções estatais sobre os interesses individuais.
O primeiro Código Civil brasileiro, editado em 1916, cuidou de consagrar os mesmos ideais liberais e individualistas que nortearam a construção do Código de Napoleão de 1804. Compulsando-se o teor daquele diploma, percebe-se ter havido a nítida preocupação de resguardar a pessoa quanto aos valores eminentemente patrimoniais, afastando-se, tanto quanto possível, a ingerência do