Confidência do Itabirano 10
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa…
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
Biografia do autor:
Carlos Drummond de Andrade nasceu em 1902, em Itabira em Minas Gerais e foi um poeta, contista e cronista brasileiro.
Estudou em várias escolas, como a Nova Friburgo, Belo Horizonte, entre outras. Tirou curso de farmacêutica, mas com a ajuda de alguns companheiros fundou “A Revista”, usando-a para divulgar o modernismo brasileiro, tendo-se também destacado no modernismo brasileiro. Apesar de ter sido funcionário público, escreveu várias obras em poesia e prosa.
Casou-se com Dolores Dutra de Morais, e teve dois filhos. Faleceu em 1987, no Rio de Janeiro, onde viveu a maior parte da sua vida, doze dias depois da morte da sua filha.
Análise:
Este poema de Carlos Andrade é um auto-retrato do próprio eu lírico, pois Itabira foi a cidade onde nasceu, e também porque fala sobre si, da sua vida, e das suas saudades de Itabira no decorrer do poema. “Confidência” refere-se a algo que o poeta ainda não tinha revelado, ou seja, um segredo.
“Alguns anos vivi em Itabira./Principalmente nasci em Itabira.” – O poeta diz-nos onde nasceu (precisamente em Itabira) e viveu algum tempo.
“Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.” – O eu lírico denomina-se ‘’de ferro’’, pois Itabira é conhecida