Como e por que lê poesia brasileira do século XX.
Objetiva, 2002. p. 7-24.1
A indistinção e até certo ponto a fusão conceitual entre poesia e canção tem uma longa história em nossa cultura literária. No entanto, canção é para ser cantada. Poema é para ser lido em silêncio ou falado em voz alta. Muitos textos de diversos poetas foram musicados como canções da MPB e do rock. Qualquer letra de música pode perder a melodia e ser posta na página, virando poema. Quando o poema-poema vira canção, ele ganha, porque ganha uma nova dimensão. Já a letra, quando vira poema literário, perde. A letra, sozinha, é menos da metade do valor estético de uma canção, ao virar poema-na-página, não apenas perde-se a melodia da letra, mas adquirem novos valores alguns elementos cruciais, um tipo de mudança que pode vir em desfavor da poesia. Poesia essencial é poesia lírica. Se o lírico é o gênero poético básico porque expressa a apreensão imediata do mundo por um eu que vê/ou sente, a verdade é que em suas remotas origens europeias ele tem a ver com “lira” com música. A letra de música até pode sustentar-se sobre a leitura, mas sua condição de sobrevivência é ser cantada através das gerações. O poema literário é primordialmente um objeto intelectual. A canção é um objeto performático. Com o surgimento da cultura impressa, deu-se a separação entre poesia e canção. É somente graças ao suporte impresso que existe a possibilidade de uma elaboração textual. Quanto mais elaborada essa textualidade, mais o poema se afasta de uma manifestação lírica e mais aproxima-se da reflexão filosófica ou moral. Ocorre porém, que no século XX, a tendência a uma separação entre cultura popular e cultura erudita, de um lado, e cultura performática e cultura escrita, de outro, sofreu um abalo irreversível com o advento de um novo tipo de civilização, que chamo de pop-midiática. Poesia literária e canção voltaram a relacionar-se de maneira mais estreita.