COMIDA E IDENTIDADE: CONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DE COMENSAIS DE UMA FEIRA LIVRE DE SALVADOR
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Difícil encontrar tão importante universalidade representada em outro ato que não o de comer. Ligado às profundas transformações na vida da sociedade, bem como à formação de seus
traços identitários fundamentais, a alimentação constitui “um sistema simbólico no qual estão
presentes códigos sociais que operam no estabelecimento de relações dos homens entre si e
com a natureza” (MACIEL, 2004). Neste sentido, o que a princípio nasce como fruto de
necessidade biológica, adquire meios, modos e práticas de se operar que muito a afastam da
instintividade garantida pela fome – a alimentação assume, então, elementos típicos daquilo
que se caracteriza como humano e a ela são atribuídos significados desvendados somente a
partir de reflexão cuidadosa sobre o contexto em que se insere.
Parece ser esta capacidade – de transformar-se a partir da essencialidade animal e recriar-se à
ação marcadamente social e cultural – o que intriga Simmel em seu texto A sociologia da
refeição (1910). Segundo o autor, “se esse ato não fosse em si tão baixo, também não teria
sido buscada essa ponte, através da qual se alçou até a significância da refeição sacrificial, até
a estilização e a estetização de suas formas mais elaboradas”. Surgem, assim, padrões
estéticos e normatizações em torno do ato de comer, capazes de distinguir diferentes povos e
culturas, a partir da coletivização de um ato, a princípio, individual.
Toda esta construção simbólica, apesar de ser elemento marcador de diferenciações, esteve
presente em toda a história da humanidade, nas mais diversas sociedades. O Ocidente,
fortemente influenciado pelo Cristianismo, possui na Santa Ceia a imagem consagrada da
refeição como união (GALLIAN, 2007), capaz de tornar companheiros aqueles que
compartilham o pão; os hindus, por sua vez, atribuindo tão grande significado a este
momento, preferem reserva ao se alimentar, evitando comer com um companheiro