clastres a s. contra o estado
A figura que serviria de inspiração a Clastres é a do chefe indígena (figura certamente genérica), autoridade que não detém poder algum, prisioneiro do grupo. Mesmo dotado de privilégios como a poliginia (casamento com mais de uma mulher), esse chefe está submetido a uma série de obrigações que pressupõem certas habilidades, dentre as quais, as mais importantes são a generosidade e o dom da oratória.
O chefe indígena é, em suma, aquele que pode dar e sabe falar. Essa sua fala reúne os homens ao seu redor sem, no entanto, mostrar-se eficaz para cooptá-los. Em suma, é uma fala vazia, pois não tem poder de mando, mantém o chefe numa posição de poder que é de fato aparente. O argumento de Pierre Clastres vai mais longe. Não se trata simplesmente de afirmar que o chefe indígena não detém o poder, pois, para o autor, a sociedade indígena (ou "primitiva", como ele prefere chamar de modo algo antiquado e que hoje poderia soar como "antropologicamente incorreto") não é estranha ao poder. O chefe não detém o poder porque é impedido pela própria sociedade, essa sim a detentora de um certo poder, que não consegue, no entanto, constituir-se como esfera política separada - ou seja, como Estado. O poder ali permanece difuso.
Essa tese fora formulada por Clastres quando ele tinha apenas 28 anos e divulgada num artigo intitulado "Troca e poder: filosofia da chefia ameríndia" - segundo capítulo da presente coletânea. Nessa época, ele ainda era um estudante de filosofia e preparava-se para iniciar suas pesquisas de campo em sociedades indígenas sul-americanas, como os Guayaki, Guarani e Chulupi - todos do Chaco Paraguaio -, os Yanomami da Venezuela e os migrantes Guaranis mbyá das redondezas da cidade de São Paulo.
Questionando o marxismo e estruturalismo
As experiências de campo foram certamente responsáveis pela sofisticação de seu pensamento, no entanto, a idéia central havia sido lançada já no texto de 1962, publicado originalmente na