Ciência coisa boa rubem alves
Rubem Alves
Fernando Pessoa dizia que “pensar é estar doente dos olhos”. No que eu concordo. E até amplio um pouco: “pensar é estar doente do corpo”. O pensamento marca o lugar da enfermidade. Ah! Você duvida? O meu palpite é que neste preciso momento, você não deva estar tendo pensamentos sobre os seus dentes, a menos que um deles esteja doendo. Quando os dentes estão bons não pensamos neles. Como eles fossem inexistentes. O mesmo com os olhos. Você só tomara consciências deles se estiver com problemas oculares, miopia ou outras atrapalhações. Quando os olhos estão bem, agente não pensa neles: eles se tornam transparentes, invisíveis, desconhecidos, e através de sua absoluta transparência e invisibilidade o mundo aparece. O corpo inteiro é assim. Quando está bom, sem pedras no sapato, sem cálculos renais ou hemorróidas, sem taquicardias ou enxaquecas, ele fica também transparente, e a gente se coloca inteiramente, não nele, mas na coisa de fora: o caqui, a árvore, o poema, o corpo do outro, a música. Quando o corpo está bem ele não conhece a dor. Claro que tem pensamentos; mas são pensamentos de outro tipo, de puro gozo, expressivos de uma a harmonia que não deve ser perturbada por nenhuma atividade epistemológica. Mas basta aparecer a dor para que tudo se altere. A dor indica que um problema apareceu. A vida não vai bem. É aquela perturbação estomacal, mal-estar terrível, vontade de vomitar, e vem logo a pergunta: “Que foi que comi? Será que bebi demais? Ou teria sido a lingüiça frita? Pode ser também que tudo tenha sido provocado por aquela contrariedade que tive...” Estas perguntas que fazemos, diante de um problema, são aquilo que na linguagem científica recebe o nome de hipóteses. Hipóteses é o conjunto de peças imaginárias de um quebra-cabeças, que apresentamos àquela que já temos em mãos com o propósito de compreende-la. Compreender, evidentemente, para evitar que o incômodo se repita. Pensar para não sofrer. Deve haver, no