Civilização
Opinião
2008-08-09
Por Madalena Cruz-Ferreira *
Madalena Cruz-FerreiraMensagens transmitidas por telemóvel e outros meios de comunicação electrónica providos de teclado pertencem, por definição, a formas escritas de língua. Formas escritas de uma língua não são “a Língua”. Na história tanto das sociedades como dos indivíduos, a escrita sucede à fala e depende dela porque o seu objectivo é representar a fala. Foi a escolaridade, onde ela existe e onde existem formas escritas de línguas, que fez a escrita aceder a um estatuto privilegiado de forma de língua. A persistente legitimidade deste estatuto explica-se pela sua necessidade, como norma inteligível independente das variações naturais da fala: dialectos de uma língua, por exemplo, incluindo diferentes sotaques, podem escrever-se da mesma maneira.
* Linguista e investigadora independente, Singapura.
Página académica: http://linguistlist.org/people/personal/get-personal-page2.cfm?PersonID=8708
Esta necessidade reveste a escrita de uma aura de intocabilidade, porque é na escrita que se resguarda uniformização do que é naturalmente diverso. A consciência colectiva desta função uniformizadora, por sua vez, resulta em dois efeitos. Primeiro, que a discussão de normas de escrita invariavelmente envolva juízos de valor mais do que juízos de facto. Sugestões de reforma ortográfica são vistas como atentados a um património unificador e não como tentativas de aproximar a escrita da fala, tanto em Portugal como noutros países com línguas escritas.
Segundo, que o aparecimento espontâneo de uma forma de escrita que reflecte a fala de forma inesperada seja tido como um atentado à língua em si e não como uma tentativa de viabilizar a língua através de uma escrita alternativa adaptada a meios de comunicação onde essa língua dá os primeiros passos. É este o caso do Português-de-Telemóvel (chamemos-lhe assim).
O Português-de-Telemóvel como reflexo da fala