Cidade Antiga
O CULTO DO FUNDADOR. A LENDA DE ENÉIAS
O fundador era o homem que realizava o ato religioso, sem o qual uma cidade não podia existir. Era o fundador que assentava o lar, onde devia brilhar eternamente o fogo sagrado; era ele que, com suas preces e ritos, chamava os deuses, fixando-os para sempre na nova cidade.
Podemos imaginar o respeito que dedicavam a esse homem sagrado. Durante sua vida, os homens viam nele o autor do culto e o pai da cidade; morto, tornava-se um antepassado comum para todas as gerações que se sucediam; o fundador era para a cidade o que o primeiro antepassado era para a família, um lar familiar. Sua lembrança perpetuava-se como o fogo do lar que havia acendido. Dedicavam-lhe um culto, consideravam-no deus, e a cidade o adorava como sua providência. Sacrifícios e festas renovavam-se cada ano sobre seu túmulo.
Cada cidade adorava do mesmo modo aquele que a havia fundado: Cécrops e Teseu, considerados como sucessivos fundadores de Atenas tinham seus templos na cidade. Abdera oferecia sacrifícios a seu fundador Timésios, Tera a Teras, Delos a Ânios, Cirene a Batos, Mileto a Neléia, Anfípolis a Hagnon. Nos tempos de Pisístrato, Milcíades fundou uma colônia no Quersoneso da Trácia; essa colônia instituiu lhe um culto depois de sua morte, “de acordo com o costume”. Hierão de Siracusa, fundador da cidade de Etna, recebeu ali depois “o culto dos fundadores”.
Sabemos que Enéias fundou Lavínio, de onde se originaram albanos e romanos, e que, por conseqüência, era considerado o fundador de Roma. Sobre ele estabeleceu-se um conjunto de tradições e lembranças, que encontramos já consignadas nos versos do velho Névio e nas histórias de Catão, o Antigo. Virgílio aproveitou-se desse tema, e escreveu o poema nacional da cidade de Roma.
Não se trata aqui de um guerreiro, ou de um herói de romance. O poeta quer mostrar-nos um sacerdote. Enéias é o chefe de um culto, o homem sagrado, o fundador divino, cuja missão é salvar os penates da