Cidadania, liberdade e participação na Grécia: uma crítica da leitura liberal
Cidadania, liberdade e participação na Grécia: uma crítica da leitura liberal
José Antonio Dabdab Trabulsi*
O pensamento liberal tem insistido, desde Benjamin Constant, em opor a liberdade antiga, baseada na noção de participação política no Estado, à liberdade moderna, baseada, por sua vez, na liberdade civil da proteção contra a interferência externa, inclusive e sobretudo a do Estado. Neste trabalho, tentaremos reavaliar a questão, a partir da experiência política concreta da participação em Atenas, e também das representações mentais dos Antigos. A cidadania chegava a ser um “ofício”? Havia espaço para a indiferença? O Estado antigo era ou não um Estado “totalitário”? Acredito que uma resposta adequada deva sair da confluência de análises que normalmente são feitas de forma isolada: uma análise das formas e das representações mentais da liberdade antiga, um estudo da formação histórica deste modelo ideológico e desta tradição historiográfica e, também, uma análise concreta da vivência cotidiana da política em Atenas.
1. A Antiguidade e a questão da representação no pensamento político contemporâneo O problema do conteúdo e da natureza da “liberdade” foi quase sempre discutido em torno da questão da representação e da adoção da forma republicana de governo. No pensamento político francês do século XVIII encontramos posições variadas a este respeito. Montesquieu, por exemplo, nas Considerações sobre as causas da grandeza dos Romanos e de sua decadência, de 1734, texto portanto relativo ao mundo antigo, diz: *
Professor Titular de História Antiga da UFMG.
É da natureza de uma república que ela tenha apenas um pequeno território, sem o que não pode subsistir. Numa grande república há grandes fortunas e conseqüentemente pouca moderação nos espíritos (...) o bem comum é sacrificado a mil considerações (...)
Numa pequena república, o bem público é mais bem sentido, mais bem conhecido, mais próximo de cada cidadão.1