Bastante fiel ao livro homônimo de José Saramago, Ensaio se passa em nenhum lugar, com pessoas sem nome. Não se trata, portanto, de uma história, mas de uma reflexão a respeito do que realmente somos, em essência, e não do que pensamos que somos - e isso inclui um nome e um endereço, espécie de rótulos com os quais nos reconhecemos e somos reconhecidos. No mundo da cegueira coletiva, esses rótulos são irrelevantes. No entanto, não são apenas as referências mínimas que estão ausentes. O desmoronamento moral, de um dia para o outro e em ritmo irresistível, traduz a confusão dos conceitos em um tempo no qual todas as informações têm o mesmo peso. A cegueira de Ensaio é branca - é o brilho da luz que cega, é o excesso de informações desordenadas que confunde, em vez de esclarecer, e não deixa ver como o mundo, de fato, é. O resultado disso é o caos. Os "doentes", isto é, as vítimas da epidemia de cegueira, são então obrigados a reaprender a viver em sociedade, a refazer o contrato, a tatear para reencontrar os valores caros à humanidade. Confinados num sanatório, acabam submetidos a um homem armado, que se proclama "rei", e a um cego de nascença, que ironicamente funciona como um guia para o déspota. Todo esse drama é testemunhado por uma mulher que, sem nenhuma explicação aparente, não é afetada pela epidemia. Em atuação excelente de Julianne Moore, ela procura mediar o reencontro dos cegos com alguma forma de civilização, mas a força da natureza aparenta ser inconciliável, como um pesadelo hobbesiano. A personagem que representa a "civilização", por ser a única a enxergar, não suporta o fardo de sua missão e sucumbe ela mesma à barbárie. Há certas coisas que é melhor não ver. A viagem ao âmago do inferno que é viver a vida sem os freios morais, no entanto, termina com uma nota de otimismo, que soa ingênuo diante do espetáculo de degradação proporcionado pela multidão de cegos. Conclui-se que o não-ver, isto é, a renúncia aos padrões estéticos, é o que