CAVALCANTE S Vio
O recuo do conceito de classe social: da nova classe média à crítica do trabalho. Sávio M. Cavalcante1
1. Introdução
Em fins da década de 1950, Hanna Arendt assim projetava o que seria a maior conquista social de um futuro não muito distante, qual seja, “o advento da automação, que dentro de algumas décadas provavelmente esvaziará as fábricas e libertará a humanidade de seu fardo mais antigo e natural, o fardo do trabalho e da sujeição à necessidade”. Se a previsão se confirmasse, a sociedade se veria diante de uma possibilidade lúgubre, a de “uma de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente, nada poderia ser pior” (2001[1958],
p. 13).
Nessa mesma década, Charles Wright Mills (1951) e David Lockwood (1958) publicavam estudos cujo objetivo central era analisar a emergência de uma nova classe média, composta, em sua maioria, por trabalhadores em escritórios e em diversas formas de burocracia.
Trabalhadores que, a despeito de compartilharem com os
assalariados manuais a situação de ausência de propriedade de meios de produção, não se integrariam social e politicamente ao proletariado (ou classe operária).
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Neste texto , procuro desenvolver aspectos centrais dessas grandes discussões teóricas – originadas mais propriamente no contexto europeu ocidental e estadunidense
– com a intenção de identificar, entre elas, duas importantes relações de afinidade. A primeira a é de que o “fim do trabalho” preconizado por Arendt – posteriormente desenvolvido por autores como André Gorz e Claus Offe nos anos de 1980 – e o
“problema das classes médias” levantado por Wright Mills e Lockwood enfrentavam um opositor teórico comum: a teoria marxista ou, pelo menos, o marxismo “tradicional” tal como entendido por esses autores. A segunda relação de afinidade é mais indireta e
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Professor do Departamento de Sociologia, IFCH/Unicamp.
Este texto é uma versão bastante modificada do primeiro capítulo de minha tese de