Casa Amarela; Janelas vermelhas
Sempre que lembro a infância me deparo com lugares misteriosos e histórias sobrenaturais. Encontro sonhos e desejos que nem importam mais; perderam-se no tempo e, sem querer ou prazer, provocam risos contidos no pensamento. Deram lugar a outros e a outros e a outros insondáveis caminhos no coração de quem procura a vida com paixão. Fazem parte de um destino que nos espreita sem perdas, por vezes com alegria ou tristeza, quase sempre com sapiência. Dolorosa, quase sempre. E foi assim, num desses dias de pandorga e bolita que percebi que nada é para sempre e sempre é expressão mais que poética, é infinito; trilho de trem.
Sem pai nem norte, observava incrédulo o velho chalé amarelo com janelas vermelhas ser arrancado de suas fundações e, assim, colocado sobre um grande triângulo de ferro com rodas esquisitas, engatado a um antigo caminhão Ford que, com alguma dificuldade, o retirou do terreno que ocupara durante longos trinta anos. Era como uma árvore extirpada pelas raízes. Ali estavam minhas vivências, planos, amores, desamores, enfim; natais e mais natais.
Não lembro se ria ou chorava, não entendia o porquê de tanta dor por uma velha casa que partia. Com ela, iam-se meus fantasmas, medos, limites e, logo, se ergueria uma nova casa com tijolos e peças maiores, janelas de guilhotina e persianas plásticas. O chão surrado de vermelho “xadrez” da antiga cozinha, trocado por lajotas cor de vinho, hexagonais e frias, muito frias. No banheiro, como sonhava minha mãe, azulejos cor-de-rosa. Não mais cortinas nas janelas, nem ligação entre os quartos, tampouco a farra de encerar o velho assoalho escorregando em panos de lã. Nem lugar para os trilhos de linóleo ou o colorido tapete de trapos.
Com a casa foram-se meus amigos invisíveis; os gnomos e seus estalos, as fadas do bom sono e as bruxas com suas risadas. Universo sonoro e colorido de seres poderosos que, de certa forma, eram aparentados e parecidos com seu visionário.
Tinha