caráter mecanicista
A noção
1 de comunicação na lingüística moderna (pós-saussureana) surge com muita força nas Teses de 1929 do Círculo de Praga. Sem abandonar o pressuposto saussureano da língua como sistema, ou melhor, extendendo a abrangência desse postulado, a escola praguense reformula, com tendência prática, o conceito teórico de língua: “la lengua es un sistema de medios de expresión apropiados para un fin” (TRNKA et alii, 1980, p.31). A função da língua, portanto, é levar a cabo esse fim ou finalidade, isto é, a comunicação, a expressão. Uma outra visão que entronca com a anterior é a da língua como instrumento (já, na verdade, implícita nessa última). Mais de trinta anos depois das “teses”, o lingüista francês Émile Benveniste afirmava:
“concluimos que con la frase se sale del dominio de la lengua como sistema de signos y se penetra en otro universo, el de la lengua como instrumento de comunicación, cuya expresión es el discurso” (BENVENISTE, 1999, p. 128).
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Essa noção de comunicação entra como ponto cego na lingüística, ou seja, como um elemento que não é trabalhado do ponto de vista teórico. Funciona, assim, como uma evidência, como algo que é sabido ou conhecido de todos e que, portanto, não precisaria ser levado a adoptar um estatuto teórico. Não duvidamos de que esse conceito, próprio do senso comum, causaria graves problemas, se tivesse de ser definido teoricamente. Se nos situarmos, aliás, do ponto de vista do senso comum, seria pelo menos polêmico afirmar que a língua não é instrumento de comunicação ou que a função principal da língua não é a comunicação. 1 Para a diferença entre noção (ideológica) e conceito (científico), cf. Pêcheux, 1997.
2 No entanto, o próprio Benveniste, em outro artigo, colocava sob suspeita o fato de a linguagem ser instrumento, atribuindo essa propriedade (a de ser instrumento) ao discurso e propondo a linguagem como o lugar onde o homem se constitui em sujeito, isto é, como uma unidade psíquica.