Carlos e mamas
(1940)
http://groups.google.com/group/digitalsource
1/65
PREFÁCIO Querido leitor: São horas de te receber no portaló da minha pequena Arca de Noé. Tens sido de uma constância tão espontânea e tão pura a visitá-la, que é preciso que me liberte do medo de parecer ufano da obra, e venha delicadamente cumprimentar-te uma vez ao menos. Não se pagam gentilezas com descortesias, e eu sou instintivamente grato e correcto. Este livro teve a boa fortuna de te agradar, e isso encheu-me sempre de júbilo. Escrevo para ti desde que comecei, sem te lisonjear, evidentemente, mas também sem ser insensível às tuas reacções. Fazemos parte do mesmo presente temporal e, quer queiras, quer não, do mesmo futuro intemporal. Agora, sofremos as vicissitudes que o momento nos impõe, companheiros na premente realidade quotidiana; mais tarde, seremos o pó da História, o exemplo promissor ou maldito, o pretérito que se cumpriu bem ou mal. Se eu hoje me esquecesse das tuas angústias, e tu das minhas, seríamos ambos traidores a uma solidariedade de berço, umbilical e cósmica; se amanhã não estivéssemos unidos nos factos fundamentais que a posteridade há-de considerar, estes anos decorridos ficariam sem qualquer significação, porque onde está ou tenha estado um homem é preciso que esteja ou tenha estado toda a humanidade. Ligados assim para a vida e para a morte, bom foi que o acaso te fizesse gostar destes Bichos. Apostar literariamente no porvir é um belo jogo, mas é um jogo de quem já se resignou a perder o presente. Ora eu sou teu irmão, nasci quando tu nasceste, e prefiro chegar ao juízo final contigo ao lado, na paz de uma fraternidade de raiz, a ter de entrar lá solitário como um lobo tresmalhado. Ninguém é feliz sozinho, nem mesmo na eternidade. De resto, um conto que te agradou, tem algumas probabilidades de agradar aos teus netos. Porque não hão-de eles tirar ninhos quando forem crianças? E, se tal não acontecer, paciência: ficarei um pouco triste, mas