Calvino A Espada Do Sol
Companhia das Letras, 1994.
A espada do sol
O reflexo no mar se forma quando o sol descamba: um brilho ofuscante se estende do horizonte até a costa, feito de uma infinidade de cintilações que ondulam; entre uma cintilação e outra, o azul opaco do mar escurece a sua rede. As barcas brancas tornam-se negras contra a luz, perdem consistência e extensão, como que consumidas por aquele pontilhado resplendente.
É a hora em que o senhor Palomar, homem tardio, pratica sua natação vespertina. Entra na água, afasta-se da praia, e o reflexo do sol se torna uma espada cintilante na água que do horizonte se prolonga até ele. O senhor Palomar nada na espada ou, melhor dizendo, a espada permanece sempre diante dele, retraindo-se a cada uma de suas braçadas e jamais se deixando alcançar. Por todo o espaço em que ele estende os braços, o mar adquire seu opaco tom vespertino, que se alonga até a praia atrás dele.
Enquanto o sol desce para o ocaso, o reflexo branco incandescente se colore de ouro e cobre. E seja onde for que o senhor Palomar se coloque, o vértice daquele triângulo agudo e dourado é ele; a espada o segue, indicando-o como um ponteiro de relógio que tivesse por eixo o sol.
“É uma homenagem especial que o sol me presta”, é tentado a dizer o senhor
Palomar, ou melhor, o eu egocêntrico e megalômano que nele habita. Mas o eu depressivo e autopunitivo que coabita com o outro no mesmo contentor objeta: “Todos os que têm olhos vêem o reflexo que os segue; a ilusão dos sentidos e da mente os mantém sempre prisioneiros”. Um terceiro condômino intervém, um eu mais equânime:
“Quer dizer que, seja como for, faço parte dos indivíduos que sentem e pensam, capazes de estabelecer uma relação com os raios solares, e de interpretar e avaliar as percepções e as ilusões”.
Todo banhista que a esta hora nade em direção ao poente vê a nesga de luz que se dirige para ele e que se extingue pouco além do ponto a