Caetano e os mutantes são demais
Resenha do compacto duplo intitulado Caetano Veloso e Os Mutantes ao Vivo, de 1968, com arranjos de Rogério Duprat.
Em 1968, antes do lançamento do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circenses, Caetano Veloso e Os Mutantes lançam um compacto duplo gravado ao vivo. Este disco genial, quase esquecido pelos estudiosos e amantes da tropicália, guarda em si um conjunto de experimentações que serão determinantes para definir o caráter musical do que os “baianos” viriam a fazer dali pra frente.
As quatro canções aqui gravadas são bastante emblemáticas. A primeira do lado A, A voz do morto, de autoria do próprio Veloso, é uma crítica ao passadismo da música, ensejado por aqueles que gostariam de “salvar glórias nacionais”, ou seja, os músicos de protesto que achavam que o samba era o único tipo de música que poderia ser feito no Brasil. Estes o cantor chama de coitados. O fonograma ainda mistura o som das guitarras, de palmas e uma percussão bem marcada, enquanto a letra faz referência à Jovem Guarda de Roberto Carlos (“Eu sou terrível”) – movimento estético que incorporou o rock e o pop à música brasileira – e traz um viva a Paulinho da Viola. Este cantor e compositor que mesmo visto como mais ligado ao samba “tradicional” porém, em uma entrevista, Caetano revela que ele já via a necessidade de incorporar baixo elétrico em suas músicas sem deixar de fazer samba.
No mesmo sentido vai a primeira canção do lado oposto, Saudosismo, de autoria também do intérprete. A música faz citação de outros cinco sucessos bossa-novistas, num procedimento de fragmentação e re-montagem (processo importado do cubismo), ressignificando-os. A frase Chega de Saudade, título da mais importante canção de João Gilberto, se transforma num berro para rechaçar o passadismo, ou seja, a própria Bossa.
Caetano via, e essa gravação mostra isso de forma bem explícita, as canções feitas durante a era dos festivais como uma diluição das conquistas