Caderno Filosófico
E VISIONÁRIO
Adalberto Luis VICENTE1
A obra poética de Victor Hugo constitui um caleidoscópio de todas as necessidades e de todas as tentações da poesia do século XIX: exotismo, virtuosismo rítmico e formal, recuperação de formas poéticas populares, lirismo pessoal, poesia épica, satírica e crítica. Legitimando os ideais poéticos do romantismo, sua poesia está contaminada por um desejo de transcendência que faz do autor de Les Contemplations uma das testemunhas visionárias de seu século. Os estudos voltados ao aspecto mítico e metafísico da poesia hugoana sucedem-se no século
XX, demonstrando que, para além da poesia pessoal e contingente, existe o
“Victor Hugo das profundezas”, que permanece “o grande Hugo”. A ambição metafísica, que faz da poesia um instrumento de conhecimento de uma realidade superior, e do poeta um revelador de mistérios, constitui, do romantismo ao surrealismo, uma das grandes linhas de força da poesia moderna. O poeta alemão Archin von Arnim (1781-1831) já havia ressaltado que a verdade da poesia transcende a verdade histórica e que sua finalidade é o conhecimento da “realidade secreta do universo”:
Pareils à la jubilation du printemps, les poèmes ne sont nullement une histoire de la terre; ils sont un souvenir de ceux qui se réveillèrent en esprit des rêves qui les avaient amenés ici-bas; un fil conducteur accordé par le saint Amour aux habitants de la terre dont le sommeil est agité.
Les oeuvres poétiques ne sont pas vraies de cette vérité que nous attendons de l’histoire, et que nous exígeons de nos semblables, dans nos rapports humains; elle ne seraient pas ce que nous cherchons, ce qui nous cherche, si elles pouvaient appartenir tout entière à la terre. Car toute oeuvre poétique ramène au sein de la communauté éternelle le monde qui, en devenant terrestre, s’en est exilé.
Nomons voyants les poètes sacrés; nomons voyance d’une espèce supérieur la création poétique.
(apud JOUBERT,