Breve estudo sobre "auto da barca do inferno"
Do livro Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente
O Auto da Barca do Inferno é a obra mais conhecida e representativa do teatro vicentino que tem como cenário um ancoradouro onde se vê duas barcas: a barca que conduz ao Inferno, tendo como responsável o próprio Diabo e a barca da Glória, que tem como barqueiro o Anjo. A peça se desenrola toda nesse local, à medida que os recém-mortos vão chegando para o embarque.
É curioso notar a relação entre o cenário adotado pelo autor com a mitologia empregada nas histórias gregas. Para se chegar ao destino (Paraíso ou Inferno), os mortos têm que navegar por um rio, semelhante ao que se tem nas histórias helênicas que, para chegar ao hades, as almas têm que tomar um barco. Até mesmo a figura das moedas, que eram colocadas sobre os olhos dos mortos na hora da queima do corpo, segundo a tradição grega, para pagar o barqueiro é mostrada do auto, como vemos nesse trecho:
DIABO – Oh! Mui muito me espanto, não vos livrar o dinheiro...
ONZENEIRO – Somente para o barqueiro, não me deixaram nem tanto.
A obra de Gil Vicente segue os preceitos do que era imposto pela religião católica na época vigente, Idade Média. Assim, a disputa entre o bem e o mal e o julgamento das almas após a morte, de acordo com suas ações na Terra, são temas centrais. A disposição e o modo como são colocados os personagens também é interessante, a começar pela figura do Diabo, que é o que mais aparece em cena, o que evidencia sua importância no auto.
A primeira característica do Diabo que podemos observar no auto é a ironia e, ironia esta que está ligada diretamente à polidez, principalmente no que tange ao modo como este personagem trata as almas que chegam para embarcar. Ele usa de nominações (como no caso do frade, que, ironicamente, o Diabo chama-o, ora de padre marido, ora de padre-capacete), elogios e evocações altamente bajuladoras a fim de ridicularizar os demais mostrando que, não importa o posto que