Bourdieu
1
Pierre BourdieuA sociologia e a arte não fazem um bom par. Isto vale para a arte e para osartistas que não suportam tudo aquilo que ameaça a idéia que eles têm de simesmos: o universo da arte é um universo de crença, crença no dom, naunicidade do criador incriado, e a irrupção do sociólogo que quer compreender,explicar, tornar compreensível, causa escândalo. Desencantamento,reducionismo, numa só palavra, grosseria ou, o que dá no mesmo, sacrilégio: osociólogo é aquele que da mesma maneira como Voltaire expulsou os reis dahistória, quer expulsar os artistas da história da arte. Mas isto também vale paraos sociólogos que se esforçam para confirmar as idéias estabelecidas sobre asociologia e, particularmente, sobre a sociologia da arte e da literatura.Primeira idéia estabelecida: a sociologia pode dar conta do consumocultural, mas não da produção. A maioria das colocações gerais sobre asociologia das obras culturais aceitam esta distinção que é puramente social: naverdade, ela tende a reservar para a obra de arte e para o "criador" incriado umespaço separado, sagrado, e um tratamento privilegiado, deixando para asociologia apenas os consumidores, isto é; o aspecto inferior e até reprimido(particularmente em sua dimensão econômica) da vida intelectual e artística. E aspesquisas que pretendem determinar os fatores sociais das práticas culturais(freqüência a museus, teatros ou concertos, etc.) aparentemente confirmam estadistinção que não tem a base em nenhum fundamento teórico: na verdade, comotentarei mostrar, não se pode compreender a própria produção naquilo que elatem de mais específico, isto é, enquanto produção de valor (e de crença), a nãoser que se leve em conta, simultaneamente, o espaço dos produtores e o espaçodos consumidores.Segunda idéia estabelecida: a sociologia − e seu instrumento predileto, aestatística − minora e esmaga, nivela e reduz a criação artística; ela coloca nomesmo plano os grandes e os pequenos, deixando