Bolero de Ravel
Infinita, infinitamente...
As mãos não tocam jamais o aéreo objeto esquiva ondulação evanescente
Os olhos, magnetizados, escutam e no círculo ardente nossa vida para sempre está presa está presa...
Os tambores abafam a morte do Imperador.
A música “Bolero de Ravel” foi criada instintivamente pelo maestro Maurice Ravel (1875-1937), que queria fornecer um exercício prático que envolvesse todos os níveis musicais e uma orquestra (cordas, percussão, metais e sopro). Trata-se de uma canção repetitiva, que apenas retorna ao seu tema a todo instante, e a cada repetição, intensifica um pouco mais a sua força.
Drummond trabalha as características da canção no seu poema, principalmente ao citar: “infinita, infinitamente”, “espiral de desejo” e “círculo ardente”. Seu valor intrínseco está na capacidade contrastiva que o poeta estabelece entre a alma ativamente aplicada ao desejo e à vida e o obstáculo, a distração ou o barulho que prendem ou abafam a entrega profunda à vivência a ser protagonizada pelo homem vivo. A dinâmica da vida é destacada com leveza e verdade.
A melodia acaba expressando a angústia de uma existência que acaba se esvaziando, se inutilizando por se transformar num eterno desejar, nunca realizado: "As mãos não tocam jamais o aéreo objeto / esquiva ondulação evanescente". Por um lado, seria ruim o homem alcançar facilmente a sua satisfação, pois o sentido da vida desapareceria facilmente. Mas o paradoxal é que o que nos mantém em pé, o desejar que nunca se alcança, é o que justamente detona nossa existência – a espiral infinita do querer a que “nossa vida para sempre está presa”. Até que chega a morte “Os tambores abafam a morte do Imperador”.